domingo, 26 de setembro de 2010

Daphne - Justine Picardie

Sinopse

Estamos em 1957. A escritora Daphne du Maurier, no auge da carreira e da fama, desespera face ao colapso do seu casamento. Vagueando sem descanso por Menabilly, a sua adorada casa junto ao mar, na Cornualha, é assombrada pelo remorso e pelas personagens dos seus livros, nomeadamente Rebecca, a heroína do mais famoso dos seus romances. Ao procurar alguma coisa que a distraia dos seus problemas, Daphne interessa-se apaixonadamente por Branwell, o infeliz irmão das irmãs Brontë, e inicia uma troca de correspondência com o enigmático Alex Symington, procurando elementos para uma biografia de Branwell. Mas, por detrás da respeitável figura de Symington está um carácter escorregadio com muito para esconder, e depressa a verdade e a ficção se tornam impossíveis de distinguir.
Em Londres, na actualidade, uma jovem mulher solitária, recentemente casada depois de um breve namoro com um homem consideravelmente mais velho do que ela, trabalha para acabar uma tese de doutoramento sobre Daphne du Maurier e as Brontë. O marido, ainda aparentemente envolvido com a brilhante e carismática ex-mulher, mostra-se a maior parte do tempo distante e misterioso e ela não consegue sentir-se em casa na enorme e imponente mansão de Hamstead, curiosamente situada em frente da casa onde Daphne viveu em criança. Refugiada no conforto da sua biblioteca, mergulha num mistério literário com mais de cinquenta anos.

A minha opinião

Devo começar por dizer que o motivo que me levou a ler este livro foi o facto de ter lido Rebecca e ter ficado fascinada com a história e com a escrita.
Apesar deste livro ter contornos de uma biografia - a de Daphne du Maurier - não o é. A acção desenrola-se apenas entre os anos 1957 e 1960, embora a autora recorra a muitas situações, desde a época em que Daphne era uma criança, para explicar os acontecimentos do momento.
Gostei bastante do livro, mas reconheço que a opinião não será geral. Acho que é uma obra destinada apenas a fãs da du Maurier e, de preferência, que tenham lido também obras das irmãs Brönte, como A paixão de Jane Eyre (que já li) e O monte dos vendavais (que, lamentavelmente, ainda tenho na pilha de livros para ler). Acontece que, ao longo deste livro, as situações são constantemente comparadas com as dos três livros que referi.
Acompanhamos três vidas diferentes: a de Daphne, a de Alex Symington (com quem Daphne passou a corresponder-se) e a de uma narradora, na actualidade, de quem nunca sabemos o nome (tal como a narradora de Rebecca).
Aliás, em todo o livro, encontramos tópicos que nos remetem para Rebecca, dada a semelhança.
Daphne surge como uma mulher misteriosa, que aparentemente mistura a sua realidade com a das personagens dos seus livros. Sente-se perseguida pelo passado, pelos mortos e vive uma situação de crise matrimonial.
A seguinte transcrição revela bem este espírito atormentado de Daphne.
O fantasma de Rebecca, porém, nunca partia; estava sempre ali, a suspirar ao ouvido dela ou a bater com os dedos na janela do pavilhão, e parecia trazer outros consigo, presenças anónimas, causas perdidas, casos impossíveis.
«Vai-te embora», dizia Daphne, a tentar escrever, a tentar abafar o tamborilar dos dedos de Rebecca no vidro com o bater dos seus próprios dedos nas teclas da máquina de escrever. «Deixa-me em paz.»
Mas Rebecca limitava-se a rir. «Deixar-te em paz?», sussurrava. «Mas isso seria deixar-me a mim mesma.»
Para fugir a esta crise, começa a fazer pesquisas para a sua obra The Infernal World of Branwell Brönte, que viria a ser editada em 1960.
Branwell Brönte era irmão de Charlotte, Emily e Anne. Daphne acreditava que ele era o autor de manuscritos que, mais tarde, foram falsificados com a assinatura das irmãs, mais conhecidas, com a intenção de serem vendidos por bom dinheiro.
Assim, começa uma troca de cartas com Alex Symington, um homem arruinado, de carácter duvidoso, que partilha com ela o interesse na obra de Branwell Brontë, também este um falhado.
No momento presente, a narradora não identificada, perturbada por um mau casamento e pela ligação do marido à ex-mulher, tem verdadeira obssessão por Daphne du Maurier e sente que a vida desta contém as pistas para a ajudar a perceber a sua própria existência. Ela vê a sua vida como uma espécie de eco de Rebecca, encarando a ex-mulher do marido como a personagem principal daquele romance e ela própria como a jovem mulher inocente que casou com Mr. de Winter.
Neste livro, cercado de mistério, encontramos uma história de fracassos, quanto a mim, muito bem tecida pela autora, ainda que, por vezes, demasiado pormenorizada, tornando a leitura maçuda.
Mas foi uma leitura envolvente, que me deixou com vontade de explorar mais o mundo misterioso e obscuro de Daphne du Maurier.

domingo, 19 de setembro de 2010

Julie & Julia - Julie Powell

Sinopse

À beira dos trinta, encurralada num desinteressante trabalho como secretária sem fim à vista e num minúsculo apartamento, Julie Powell resolve recuperar a sua vida, perdida num quotidiano monótono, através da culinária. Ao longo de um ano, experimenta cada uma das 524 receitas da lendária Julia Child. Gradualmente passando dos Oeufs en Cocotte ao Bistek Sauté au Beurre, começa a perceber que aquele projecto (acompanhado por blog) está a mudar a sua vida. A sua recompensa é não só um recém-adquirido respeito por fígado de porco e mioleira de vaca, mas uma vida inteiramente nova - e vivida com estilo e muito gosto.

A minha opinião

Vi recentemente o filme Julie & Julia e adorei. Achei-o verdadeiramente inspirador e gostei de ambas as Julias. Procurei, então, no livro, no qual se baseou o filme, uma espécie de prolongamento desse prazer, mas, infelizmente, não encontrei.
O livro foge muito à temática do filme e incide demais na vida privada da autora e, sobretudo, do seu ambiente de trabalho.
Se não fosse por querer saber mais sobre as receitas e tudo aquilo que estivesse com elas relacionado, eu teria colocado este livro de lado definitivamente logo nas primeiras páginas. Contudo, nem mesmo a história que procurava eu encontrei. Julia Child é pouco “explorada”. As receitas também.
Porém, nem tudo é negativo. Diverti-me com algumas cenas de família e com alguns pensamentos da Julie Powell. E é por isso que, apesar de ter visto as minhas expectativas goradas, acabei por achar o livro de agradável leitura, pese embora algumas partes perfeitamente desnecessárias.

Era uma vez um rapaz - Nick Hornby

Sinopse

Will Freeman, de 36 anos de idade, não quer ter filhos e não percebe porque é que toda a gente lhos recomenda com tanto entusiasmo. Vive num confortável e moderno apartamento, livre de Legos e cheio de CD's, em Islington. Will tem todo o seu tempo livre, graças aos royalties que recebe, anualmente, por uma pirosa canção de Natal que o seu pai escreveu em 1938. O nosso herói compreende, porém, o ponto de vista das mães sozinhas, especialmente quando elas se parecem com Julie Christie. Assim, acaba por se envolver com um grupo de pais sozinhos e inventar um filho de dois anos, cujas ausências requerem constantes explicações.
Entra em cena Marcus, cujos pais se separaram; as lágrimas da sua mãe sobre os flocos do pequeno-almoço começam a tornar-se assustadoras. Os progressos de Marcus, na sua nova escola de Londres, são ameaçados pelas suas roupas desapropriadas, pelo seu horrível corte de cabelo e pela sua preferência herdada pela música de Joni Mitchell. Uma vez que as circunstâncias puseram Will no seu caminho e uma vez que este sabe, pelo menos, como é que os miúdos se devem vestir e que o Kurt Cobain não jogava no Manchester United, porque é que Marcus não há-de servir-se dele, tanto quanto possível?

Neste segundo romance, Nick Hornby explora as relações que as pessoas estabelecem entre si, neste mundo em que o chamado modelo ideal de família pura e simplesmente já não se aplica.


A minha opinião

Esta é a história de Will, para quem a única razão de ter filhos é para que eles olhem pelos pais quando forem velhos, inúteis e tesos. Pressionado constantemente para constituir família, detesta as crianças, assim como todos os que as trouxeram ao mundo.
Will nunca vivera dramas na sua vida. Gostava de noites bem passadas, amigos de circunstância e não tinha necessidade de mudar.
É então que começa a ver em jovens mães separadas, tristes e sós, possíveis hipóteses de conseguir uma namorada e, a dada altura, inventa um filho de dois anos e adere a um grupo de pais separados.

Esta é também a história de Marcus, um adolescente filho de pais separados que vive com a mãe problemática. É um miúdo que sofre com a violência de que é alvo na escola. Marcus e Will acabam por se conhecer por intermédio de uma amiga da mãe de Marcus, que Will conhece nesse novo grupo a que aderiu.
E é aqui que Will começa a viver o seu primeiro drama: o drama de Fiona, a mãe de Marcus. Contra todas as suas expectativas, começa a alimentar uma ideia doentia de entrar na vida deles. Marcus, que sente a falta de um “pai” começa então a frequentar a casa de Will.
Com algum humor à mistura, entramos na cabeça destas duas personagens e observamos o meio envolvente à luz dos seus pensamentos e impressões. É muito interessante acompanhar a evolução das suas relações, bem como as mudanças em relação ao mundo que as rodeia.
Will é muito peculiar e reconhece em si uma pessoa que nada faz na vida além de ver o Countdown e andar às voltas de carro a ouvir os Nirvana. Vivia acomodado com essa ideia. Mas, quando estava na presença de pessoas que pretendia agradar, gostaria de se mostrar um pouco mais complexo e ter alguma história para contar. E isso não acontecia. Começa então a aperceber-se de que precisa de uma bóia a que se pudesse agarrar. Marcus passou a ser essa bóia.
O fim tem uma moral: há que perder algumas coisas para ganhar outras. Assim é a vida.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Polícias sem história – Francisco Moita Flores

Sinopse

Um olhar irónico sobre a vida do ponto de vista dos polícias e não só...

Teve o direito a votar e votou. O direito de comprar o carro a prestações e comprou. A adquirir casa com o juro bonificado e adquiriu. A ir ao médico e escolher se queria consulta com recibo verde e escolheu. Mas, sublimidade de todas as coisas sublimes, teve direito ao protesto e não protestou. A fazer greve e não fez. A revoltar-se contra a arrogância e preferiu o silêncio. A reagir à injustiça e quedou-se atormentado. A indignar-se contra a hipocrisia e morder a raiva até espirrar sangue. Foi solidário. Todos os domingos dava esmola a um mendigo e, ainda que por medo, nunca deixou sem gorjeta um arrumador de carros. Deus deu-lhe o nome de Ernesto. O Diabo fez dele polícia.


«Vão pensar que é embirração, mas não é. Numa história de polícias, o legislador está sempre tão presente como Jesus Cristo num catecismo para crianças. É que o legislador não conhece a Musqueira nem o bairro da Sé. Legisla num confortável gabinete, que os espíritos querem-se confortáveis e confortados. E, por amor de Deus?!, não faz sentido que a inteligência, esse produto milagroso e raro que habita togas respeitáveis, entre nos tugúrios fétidos e escuros do Casal Ventoso. Isso é coisa para polícias, brutos e malcheirosos, ordinários por nascimento e dactilógrafos de pacotilha por opção. Sejamos sérios e ponhamo-nos cada um no seu devido lugar. A justiça é um dom de deuss, polícias e criminosos, um vómito do Diabo num dia em que acordou ressacado.»

A minha opinião

Conta a história de Ernesto, polícia de profissão, homem do povo.
Desde que comecei a ler os romances de Francisco Moita Flores senti-me, desde logo, completamente agradado com a sua escrita muito própria onde mistura o humor com verdades que precisam ser ditas, faladas e postas em causa. Sem dúvida alguma é um defensor dos fracos e oprimidos, contra as injustiças de uma sociedade que nasceu torta.
Os diálogos que constrói são de soltar gargalhadas e a forma prática com que consegue misturar uma escrita popular e uma escrita que chega a ser poética confere a Moita Flores um estilo muito próprio e pessoal que me atrevo a elevar ao patamar de excelente.
Este romance é um grito de revolta contra o egoísmo e arrogância de quem manda, quem governa e conduz este barco com o nome Portugal.

Porque nos mantemos calados quando deveriamos falar, porque nos rimos quando nos apetecia chorar, porque não ajudamos quando deveriamos ajudar. A cobardia em que vivemos destrói a nossa vontade de sonhar.

“A Justiça é um dom dos deuses, polícias e criminosos um vómito do Diabo num dia em que acordou ressacado”.



Flashman - A Odisseia de um Cobarde - George MacDonald Fraser

Sinopse

Ele é um mentiroso, ele é um cobarde, ele seduziu a amante do próprio pai. Ele é Harry Flashman e esta é a sua deliciosa odisseia. Dos salões vitorianos de Londres às fronteiras exóticas do Império, prepare-se para conhecer o maior herói do Império Britânico. Pode um homem que foi expulso da escola por andar sempre bêbado, que seduziu a amante do próprio pai, que mente com quantos dentes tem e é um cobarde desavergonhado no campo de batalha, protagonizar uma série de triunfantes aventuras na era vitoriana? A escandalosa saga de Flashman, herói e soldado, mulherengo e agente secreto relutante, emerge numa série de memórias campeãs de vendas em que o herói gingão revê, na segurança da velhice, as suas proezas na cama e no campo de batalha.

O autor

George MacDonald Fraser (1925-2008) esteve num Regimento escocês na Índia e no Médio Oriente, trabalhou na imprensa na Grã-Bretanha e no Canadá e, além da série Flashman, deu ao prelo muitos outros romances de sucesso, o último dos quais Black Ajax. Milhares de leitores em todo o mundo têm apreciado também os três volumes de contos sobre o soldado McAuslan. Escreveu inúmeros guiões de cinema, nomeadamente Os Três Mosqueteiros, Os Quatro Mosqueteiros e um filme de James Bond, Operação Tentáculo.

Críticas de imprensa

«A série Flashman vibra de acção… e é muito, muito divertida.»
The Times

A minha opinião

Incrível. Desde início somos levados por um desenrolar de acontecimentos absolutamente estrondosos. Flashman é aquele personagem a quem tudo acontece e a capacidade para se desenvencilhar das inúmeras situações em que se coloca é deveras brilhante. No desenrolar da história somos levados a dizer que desta ele não se safa, está mesmo tramado, mas depois no decurso dos acontecimentos Flashman, abençoado pela sorte, consegue desembaraçar-se de situações incríveis, muitas vezes ganhando pontos ele próprio e quase sempre às custas de outros. É aquele “amigo” em quem não podemos nunca confiar. Egoísta e cínico, primeiro ele e depois... ele. É expulso da escola por ser apanhado bêbado, quando conhece a bonita amante do pai não perde tempo e lança-se num ataque implacável que acaba por dar frutos. Logo de seguida alista-se na vida militar arrancando uma mesada choruda ao pai que prefere pagar para não o ter próximo.
E assim é Harry Flashman, tipo arrogante que vê as mulheres como objecto sexual de prazer e cobarde quanto baste quando toca a mostrar o seu carácter.
Este romance de aventuras é um manuscrito do próprio Harry Flashman. Pode-se dizer que é uma autobiografia. Acreditemos ou não nas façanhas protagonizadas, os relatos mostram-se fidedignos aos acontecimentos históricos na altura, tanto em termos de acontecimentos como de personagens, assim o relatam os entendidos. Fala sobre a retirada dos ingleses das terras do Afeganistão, das atrucidades que foram vítimas soldados, mulheres e crianças. Critica também o comando Inglês, uma autêntica anedota, mesmo com soldados valentes e corajosos sob comando de completos inúteis. Este romance vale pelo todo, se por um lado nos brinda com um personagem capaz de nos soltar gargalhadas, por outro traz-nos uma panóplia de acontecimentos históricos muitas vezes dramáticos que a guerra e injustiça conseguem provocar.


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