domingo, 3 de outubro de 2010

Meias de Seda - Kate Chopin

Sinopse

Escritas com humor e uma aguda percepção da psicologia feminina, as presentes histórias revelam-nos uma importante escritora norte-americana, Kate Chopin, cuja obra mais relevante e controversa é o romance "Despertar". Ultrapassando muitas das convenções do século XIX, Kate Chopin consegue pôr em causa a submissão a que as mulheres, nessa época, estavam sujeitas.

A minha opinião

Kate Chopin (1850 – 1904) é considerada a precursora do feminismo. Na sua curta obra, a mulher e o seu universo são uma presença constante. Muitas das suas histórias são passadas no Louisiana e reflectem as suas paisagens, o famoso rio Mississípi, as suas gentes, a sua cultura.
Este livro é constituído por 9 contos. Confesso que não gostei igualmente de todos eles. Mas gostei da escrita simples e directa de Kate Chopin que, sem grandes descrições, nos consegue transmitir a mensagem. Em boa parte dos contos, as mulheres, que, no final do século XIX, deveriam ser submissas aos homens, mostram-se já emancipadas. Penso que o livro retrata bem a sociedade da altura, os hábitos, as formas de pensar, os bailes e a vida social, o racismo e a vida dos escravos e dos senhores da terra. Gostei da inocência e simplicidade de algumas personagens.
É um livro leve em peso, mas que não é de leitura assim tão leve. Faz-nos pensar em quão diferente era o estatuto da mulher.
Fiquei com vontade de ler a obra mais conhecida da autora, O Despertar, geralmente associada a Madame Bovary, de Flaubert.

sábado, 2 de outubro de 2010

Os gémeos de Black Hill – Bruce Chatwin

Sinopse

Este romance (adaptado ao cinema em 1987) narra a história de dois irmãos, Lewis e Benjamin Jones, que vivem isolados numa quinta chamada «a Visão», nas terras altas do País de Gales.
Liga-os um laço especialmente forte. Apesar da compleição idêntica, Lewis torna-se o mais forte, o gémeo-dominante, com uma personalidade mais masculina. Enquanto Benjamin é mais feminino, intuitivo e mais ligado à mãe, enquanto esta é viva. E possivelmente ama o irmão gémeo com um amor mais do que fraterno.
“Os Gémeos de Blackhill” é também um romance sobre o amor não correspondido, a confusão sexual, e a repressão social, cultural e religiosa.


O autor

Bruce Chatwin (1940-1989) é um dos mais aclamados escritores de literatura de viagens de sempre. Foi jornalista da Sunday Times Magazine durante vários anos, e a carta de demissão que mandou ao seu superior ficou célebre – nela lia-se simplesmente: «Fui para a Patagónia». O seu livro mais celebre é, justamente, Na Patagónia, um clássico da literatura contemporânea, que, segundo The Guardian, «conferiu novos contornos à literatura de viagens».
A sua carreira literária foi curta (mais longa terá sido a de viajante), mas de raro brilho. O conjunto dos seus livros – muito premiados e várias adaptados ao cinema – está agora disponível na Quetzal.

Críticas de imprensa

«Quase todos os escritores ingleses da minha geração desejaram ter escrito os livros que ele escreveu.»
Andrew Harvey, The New York Times

«Uma prosa sintética e lapidar que consegue comprimir mundos dentro de páginas.»
John Updike

A minha opinião

Excelente romance. Começou por me fascinar o autor, um espírito incomum que segundo dizem trouxe algo de diferente à literatura de viagens em que a sua obra “Na Patagónia” é prova disso, livro que fica na minha lista de futuras aquisições.
Gostei de todo o enredo criado e gostei sobretudo da escrita fluída, emotiva e quente do autor. Conta a história de dois gémeos verdadeiros, Lewis e Benjamin Jones que vivem numa quinta afastada com o nome de “a Visão”. O autor começa a narrativa um pouco mais cedo, ou seja, antes do nascimento dos gémeos permitindo ao leitor ter uma perspectiva mais geral e alargada da época e transformações ocorridas entre as diferentes gerações. Retrato das dificulades vividas e a dureza dos Invernos, o romance é sobretudo centralizado nos dois gémeos e nas diferenças que existem na identidade sexual de cada um.
Toca a profunda ligação que existe entre os dois, histórias que sempre ouvimos e nos fascinam quando nos dizem que um gémeo pode sentir o que o outro está a sentir.
É de facto, um romance de uma sensibilidade maravilhosa, mas também uma história de dor e desespero pelas vidas vividas. Uma grande obra, assim o entendo.


A vida em surdina – David Lodge

Sinopse

Quando decide pedir a reforma antecipada, o professor universitário Desmond Bates nunca pensou vir a sentir saudades da azáfama das aulas. A verdade é que a monotonia do dia-a-dia não o satisfaz. Para tal contribui também o facto de a carreira da sua mulher, Winifred, ir de vento em popa, reduzindo o papel de Desmond ao de mero acompanhante e dono de casa. Mas o que o aborrece verdadeiramente é a sua crescente perda de audição, fonte constante de atrito doméstico e constrangimento social. Desmond apercebe-se de que, na imaginação das pessoas, a surdez é cómica, enquanto a cegueira é trágica, mas para o surdo é tudo menos uma brincadeira. Contudo, vai ser a sua surdez que o levará a envolver-se, inadvertidamente, com uma jovem cujo comportamento imprevisível e irresponsável ameaça desestabilizar por completo a sua vida.

O autor

David Lodge nasceu em Londres em 1935. Estudou Literatura Inglesa, de que foi professor na Universidade de Birmingham entre 1960 e 1987, altura em que se retirou do ensino para se dedicar inteiramente à escrita. Actualmente continua a viver em Birmingham.
Entre os romances de sua autoria incluem-se "Notícias do Paraíso" e "Terapia", também publicados pela Gradiva. Além de ter escrito romances, David Lodge foi autor de várias obras importantes de ensaio na área da literatura, sendo ainda autor de séries de televisão, entre as quais da adaptação de "Um Almoço Nunca é de Graça", que ganhou o prémio para a Melhor Série de Televisão de 1989 da Royal Television Society.

Críticas de imprensa

Um dos melhores romances do ano segundo a revista Lire. Finalista do Commonwealth Writers’ Prize 2009.

A minha opinião

O romance de David Lodge conta a história de um professor universitário reformado (Desmond Bates) que se debate com problemas de solidão. Como preencher os tempos desocupados, a falta de energia para levar em frente projectos adiados, a percepção de que ficaram para trás ideias e vontades sonhadas e a agravante de uma vida encerrada em silêncios provocada pela surdez precoce.
Um romance extraordinariamente bem construído que apela a pensar sobre a deficiência da surdez, as dificuldades, o afastamento e o isolamento que quem enfrenta este problema.
Desmond Bates sente que a sua vida pode ganhar um novo vigor a partir do momento em que existe a possibilidade de ajudar Alex Loom, uma bonita estudante, na sua tese de graduação. A introdução desta personagem feminina trouxe ao romance um cariz mais inquietante e fiquei com alguma pena que não tenha sido mais explorado, no entanto, e tendo em conta que a base do romance acenta na família e nas suas múltiplas facetas e relações, bem como os problemas e implicações que a surdez provoca, leva a concluir uma fantástica visão da vida.
Ressalto a extraordinária personagem do pai de Desmond Bates que provoca situações hilariantes, descontrai a leitura e me leva a apontar como minha favorita.

Há uma parte do romance em que é feita referência ao campo de concentração de Auschwitz e de Birkenau aquando de uma visita de Desmond ao mesmo. Nunca é demais fazermos referência às atrocidades cometidas e talvez aqui esteja muito do autor e das experiências vividas, sem dúvida um inferno obrigatório de visitar.
“Apesar de termos tido vários desentendimentos sem importância na nossa vida, vejo agora que não soubemos dar valor ao tempo de que dispunhamos.” Relato feito por uma das vítimas de Auschwitz que deixa escrita e enterrada uma carta à sua mulher.

Como conclusão posso dizer que é um livro que nos fala da vida e da família, das relações e dos valores. É também um livro de despedida, um hino ao caminho que percorremos que culmina com a morte e a tristeza da fragilidade do laço que nos liga à vida e, sobretudo a facilidade com que as marcas que deixamos na terra são apagadas.

“Para mim, a maneira como as pessoas tratam os livros é uma mostra do seu comportamento cívico” Desmond Bates

domingo, 26 de setembro de 2010

Daphne - Justine Picardie

Sinopse

Estamos em 1957. A escritora Daphne du Maurier, no auge da carreira e da fama, desespera face ao colapso do seu casamento. Vagueando sem descanso por Menabilly, a sua adorada casa junto ao mar, na Cornualha, é assombrada pelo remorso e pelas personagens dos seus livros, nomeadamente Rebecca, a heroína do mais famoso dos seus romances. Ao procurar alguma coisa que a distraia dos seus problemas, Daphne interessa-se apaixonadamente por Branwell, o infeliz irmão das irmãs Brontë, e inicia uma troca de correspondência com o enigmático Alex Symington, procurando elementos para uma biografia de Branwell. Mas, por detrás da respeitável figura de Symington está um carácter escorregadio com muito para esconder, e depressa a verdade e a ficção se tornam impossíveis de distinguir.
Em Londres, na actualidade, uma jovem mulher solitária, recentemente casada depois de um breve namoro com um homem consideravelmente mais velho do que ela, trabalha para acabar uma tese de doutoramento sobre Daphne du Maurier e as Brontë. O marido, ainda aparentemente envolvido com a brilhante e carismática ex-mulher, mostra-se a maior parte do tempo distante e misterioso e ela não consegue sentir-se em casa na enorme e imponente mansão de Hamstead, curiosamente situada em frente da casa onde Daphne viveu em criança. Refugiada no conforto da sua biblioteca, mergulha num mistério literário com mais de cinquenta anos.

A minha opinião

Devo começar por dizer que o motivo que me levou a ler este livro foi o facto de ter lido Rebecca e ter ficado fascinada com a história e com a escrita.
Apesar deste livro ter contornos de uma biografia - a de Daphne du Maurier - não o é. A acção desenrola-se apenas entre os anos 1957 e 1960, embora a autora recorra a muitas situações, desde a época em que Daphne era uma criança, para explicar os acontecimentos do momento.
Gostei bastante do livro, mas reconheço que a opinião não será geral. Acho que é uma obra destinada apenas a fãs da du Maurier e, de preferência, que tenham lido também obras das irmãs Brönte, como A paixão de Jane Eyre (que já li) e O monte dos vendavais (que, lamentavelmente, ainda tenho na pilha de livros para ler). Acontece que, ao longo deste livro, as situações são constantemente comparadas com as dos três livros que referi.
Acompanhamos três vidas diferentes: a de Daphne, a de Alex Symington (com quem Daphne passou a corresponder-se) e a de uma narradora, na actualidade, de quem nunca sabemos o nome (tal como a narradora de Rebecca).
Aliás, em todo o livro, encontramos tópicos que nos remetem para Rebecca, dada a semelhança.
Daphne surge como uma mulher misteriosa, que aparentemente mistura a sua realidade com a das personagens dos seus livros. Sente-se perseguida pelo passado, pelos mortos e vive uma situação de crise matrimonial.
A seguinte transcrição revela bem este espírito atormentado de Daphne.
O fantasma de Rebecca, porém, nunca partia; estava sempre ali, a suspirar ao ouvido dela ou a bater com os dedos na janela do pavilhão, e parecia trazer outros consigo, presenças anónimas, causas perdidas, casos impossíveis.
«Vai-te embora», dizia Daphne, a tentar escrever, a tentar abafar o tamborilar dos dedos de Rebecca no vidro com o bater dos seus próprios dedos nas teclas da máquina de escrever. «Deixa-me em paz.»
Mas Rebecca limitava-se a rir. «Deixar-te em paz?», sussurrava. «Mas isso seria deixar-me a mim mesma.»
Para fugir a esta crise, começa a fazer pesquisas para a sua obra The Infernal World of Branwell Brönte, que viria a ser editada em 1960.
Branwell Brönte era irmão de Charlotte, Emily e Anne. Daphne acreditava que ele era o autor de manuscritos que, mais tarde, foram falsificados com a assinatura das irmãs, mais conhecidas, com a intenção de serem vendidos por bom dinheiro.
Assim, começa uma troca de cartas com Alex Symington, um homem arruinado, de carácter duvidoso, que partilha com ela o interesse na obra de Branwell Brontë, também este um falhado.
No momento presente, a narradora não identificada, perturbada por um mau casamento e pela ligação do marido à ex-mulher, tem verdadeira obssessão por Daphne du Maurier e sente que a vida desta contém as pistas para a ajudar a perceber a sua própria existência. Ela vê a sua vida como uma espécie de eco de Rebecca, encarando a ex-mulher do marido como a personagem principal daquele romance e ela própria como a jovem mulher inocente que casou com Mr. de Winter.
Neste livro, cercado de mistério, encontramos uma história de fracassos, quanto a mim, muito bem tecida pela autora, ainda que, por vezes, demasiado pormenorizada, tornando a leitura maçuda.
Mas foi uma leitura envolvente, que me deixou com vontade de explorar mais o mundo misterioso e obscuro de Daphne du Maurier.

domingo, 19 de setembro de 2010

Julie & Julia - Julie Powell

Sinopse

À beira dos trinta, encurralada num desinteressante trabalho como secretária sem fim à vista e num minúsculo apartamento, Julie Powell resolve recuperar a sua vida, perdida num quotidiano monótono, através da culinária. Ao longo de um ano, experimenta cada uma das 524 receitas da lendária Julia Child. Gradualmente passando dos Oeufs en Cocotte ao Bistek Sauté au Beurre, começa a perceber que aquele projecto (acompanhado por blog) está a mudar a sua vida. A sua recompensa é não só um recém-adquirido respeito por fígado de porco e mioleira de vaca, mas uma vida inteiramente nova - e vivida com estilo e muito gosto.

A minha opinião

Vi recentemente o filme Julie & Julia e adorei. Achei-o verdadeiramente inspirador e gostei de ambas as Julias. Procurei, então, no livro, no qual se baseou o filme, uma espécie de prolongamento desse prazer, mas, infelizmente, não encontrei.
O livro foge muito à temática do filme e incide demais na vida privada da autora e, sobretudo, do seu ambiente de trabalho.
Se não fosse por querer saber mais sobre as receitas e tudo aquilo que estivesse com elas relacionado, eu teria colocado este livro de lado definitivamente logo nas primeiras páginas. Contudo, nem mesmo a história que procurava eu encontrei. Julia Child é pouco “explorada”. As receitas também.
Porém, nem tudo é negativo. Diverti-me com algumas cenas de família e com alguns pensamentos da Julie Powell. E é por isso que, apesar de ter visto as minhas expectativas goradas, acabei por achar o livro de agradável leitura, pese embora algumas partes perfeitamente desnecessárias.

Era uma vez um rapaz - Nick Hornby

Sinopse

Will Freeman, de 36 anos de idade, não quer ter filhos e não percebe porque é que toda a gente lhos recomenda com tanto entusiasmo. Vive num confortável e moderno apartamento, livre de Legos e cheio de CD's, em Islington. Will tem todo o seu tempo livre, graças aos royalties que recebe, anualmente, por uma pirosa canção de Natal que o seu pai escreveu em 1938. O nosso herói compreende, porém, o ponto de vista das mães sozinhas, especialmente quando elas se parecem com Julie Christie. Assim, acaba por se envolver com um grupo de pais sozinhos e inventar um filho de dois anos, cujas ausências requerem constantes explicações.
Entra em cena Marcus, cujos pais se separaram; as lágrimas da sua mãe sobre os flocos do pequeno-almoço começam a tornar-se assustadoras. Os progressos de Marcus, na sua nova escola de Londres, são ameaçados pelas suas roupas desapropriadas, pelo seu horrível corte de cabelo e pela sua preferência herdada pela música de Joni Mitchell. Uma vez que as circunstâncias puseram Will no seu caminho e uma vez que este sabe, pelo menos, como é que os miúdos se devem vestir e que o Kurt Cobain não jogava no Manchester United, porque é que Marcus não há-de servir-se dele, tanto quanto possível?

Neste segundo romance, Nick Hornby explora as relações que as pessoas estabelecem entre si, neste mundo em que o chamado modelo ideal de família pura e simplesmente já não se aplica.


A minha opinião

Esta é a história de Will, para quem a única razão de ter filhos é para que eles olhem pelos pais quando forem velhos, inúteis e tesos. Pressionado constantemente para constituir família, detesta as crianças, assim como todos os que as trouxeram ao mundo.
Will nunca vivera dramas na sua vida. Gostava de noites bem passadas, amigos de circunstância e não tinha necessidade de mudar.
É então que começa a ver em jovens mães separadas, tristes e sós, possíveis hipóteses de conseguir uma namorada e, a dada altura, inventa um filho de dois anos e adere a um grupo de pais separados.

Esta é também a história de Marcus, um adolescente filho de pais separados que vive com a mãe problemática. É um miúdo que sofre com a violência de que é alvo na escola. Marcus e Will acabam por se conhecer por intermédio de uma amiga da mãe de Marcus, que Will conhece nesse novo grupo a que aderiu.
E é aqui que Will começa a viver o seu primeiro drama: o drama de Fiona, a mãe de Marcus. Contra todas as suas expectativas, começa a alimentar uma ideia doentia de entrar na vida deles. Marcus, que sente a falta de um “pai” começa então a frequentar a casa de Will.
Com algum humor à mistura, entramos na cabeça destas duas personagens e observamos o meio envolvente à luz dos seus pensamentos e impressões. É muito interessante acompanhar a evolução das suas relações, bem como as mudanças em relação ao mundo que as rodeia.
Will é muito peculiar e reconhece em si uma pessoa que nada faz na vida além de ver o Countdown e andar às voltas de carro a ouvir os Nirvana. Vivia acomodado com essa ideia. Mas, quando estava na presença de pessoas que pretendia agradar, gostaria de se mostrar um pouco mais complexo e ter alguma história para contar. E isso não acontecia. Começa então a aperceber-se de que precisa de uma bóia a que se pudesse agarrar. Marcus passou a ser essa bóia.
O fim tem uma moral: há que perder algumas coisas para ganhar outras. Assim é a vida.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Polícias sem história – Francisco Moita Flores

Sinopse

Um olhar irónico sobre a vida do ponto de vista dos polícias e não só...

Teve o direito a votar e votou. O direito de comprar o carro a prestações e comprou. A adquirir casa com o juro bonificado e adquiriu. A ir ao médico e escolher se queria consulta com recibo verde e escolheu. Mas, sublimidade de todas as coisas sublimes, teve direito ao protesto e não protestou. A fazer greve e não fez. A revoltar-se contra a arrogância e preferiu o silêncio. A reagir à injustiça e quedou-se atormentado. A indignar-se contra a hipocrisia e morder a raiva até espirrar sangue. Foi solidário. Todos os domingos dava esmola a um mendigo e, ainda que por medo, nunca deixou sem gorjeta um arrumador de carros. Deus deu-lhe o nome de Ernesto. O Diabo fez dele polícia.


«Vão pensar que é embirração, mas não é. Numa história de polícias, o legislador está sempre tão presente como Jesus Cristo num catecismo para crianças. É que o legislador não conhece a Musqueira nem o bairro da Sé. Legisla num confortável gabinete, que os espíritos querem-se confortáveis e confortados. E, por amor de Deus?!, não faz sentido que a inteligência, esse produto milagroso e raro que habita togas respeitáveis, entre nos tugúrios fétidos e escuros do Casal Ventoso. Isso é coisa para polícias, brutos e malcheirosos, ordinários por nascimento e dactilógrafos de pacotilha por opção. Sejamos sérios e ponhamo-nos cada um no seu devido lugar. A justiça é um dom de deuss, polícias e criminosos, um vómito do Diabo num dia em que acordou ressacado.»

A minha opinião

Conta a história de Ernesto, polícia de profissão, homem do povo.
Desde que comecei a ler os romances de Francisco Moita Flores senti-me, desde logo, completamente agradado com a sua escrita muito própria onde mistura o humor com verdades que precisam ser ditas, faladas e postas em causa. Sem dúvida alguma é um defensor dos fracos e oprimidos, contra as injustiças de uma sociedade que nasceu torta.
Os diálogos que constrói são de soltar gargalhadas e a forma prática com que consegue misturar uma escrita popular e uma escrita que chega a ser poética confere a Moita Flores um estilo muito próprio e pessoal que me atrevo a elevar ao patamar de excelente.
Este romance é um grito de revolta contra o egoísmo e arrogância de quem manda, quem governa e conduz este barco com o nome Portugal.

Porque nos mantemos calados quando deveriamos falar, porque nos rimos quando nos apetecia chorar, porque não ajudamos quando deveriamos ajudar. A cobardia em que vivemos destrói a nossa vontade de sonhar.

“A Justiça é um dom dos deuses, polícias e criminosos um vómito do Diabo num dia em que acordou ressacado”.



Flashman - A Odisseia de um Cobarde - George MacDonald Fraser

Sinopse

Ele é um mentiroso, ele é um cobarde, ele seduziu a amante do próprio pai. Ele é Harry Flashman e esta é a sua deliciosa odisseia. Dos salões vitorianos de Londres às fronteiras exóticas do Império, prepare-se para conhecer o maior herói do Império Britânico. Pode um homem que foi expulso da escola por andar sempre bêbado, que seduziu a amante do próprio pai, que mente com quantos dentes tem e é um cobarde desavergonhado no campo de batalha, protagonizar uma série de triunfantes aventuras na era vitoriana? A escandalosa saga de Flashman, herói e soldado, mulherengo e agente secreto relutante, emerge numa série de memórias campeãs de vendas em que o herói gingão revê, na segurança da velhice, as suas proezas na cama e no campo de batalha.

O autor

George MacDonald Fraser (1925-2008) esteve num Regimento escocês na Índia e no Médio Oriente, trabalhou na imprensa na Grã-Bretanha e no Canadá e, além da série Flashman, deu ao prelo muitos outros romances de sucesso, o último dos quais Black Ajax. Milhares de leitores em todo o mundo têm apreciado também os três volumes de contos sobre o soldado McAuslan. Escreveu inúmeros guiões de cinema, nomeadamente Os Três Mosqueteiros, Os Quatro Mosqueteiros e um filme de James Bond, Operação Tentáculo.

Críticas de imprensa

«A série Flashman vibra de acção… e é muito, muito divertida.»
The Times

A minha opinião

Incrível. Desde início somos levados por um desenrolar de acontecimentos absolutamente estrondosos. Flashman é aquele personagem a quem tudo acontece e a capacidade para se desenvencilhar das inúmeras situações em que se coloca é deveras brilhante. No desenrolar da história somos levados a dizer que desta ele não se safa, está mesmo tramado, mas depois no decurso dos acontecimentos Flashman, abençoado pela sorte, consegue desembaraçar-se de situações incríveis, muitas vezes ganhando pontos ele próprio e quase sempre às custas de outros. É aquele “amigo” em quem não podemos nunca confiar. Egoísta e cínico, primeiro ele e depois... ele. É expulso da escola por ser apanhado bêbado, quando conhece a bonita amante do pai não perde tempo e lança-se num ataque implacável que acaba por dar frutos. Logo de seguida alista-se na vida militar arrancando uma mesada choruda ao pai que prefere pagar para não o ter próximo.
E assim é Harry Flashman, tipo arrogante que vê as mulheres como objecto sexual de prazer e cobarde quanto baste quando toca a mostrar o seu carácter.
Este romance de aventuras é um manuscrito do próprio Harry Flashman. Pode-se dizer que é uma autobiografia. Acreditemos ou não nas façanhas protagonizadas, os relatos mostram-se fidedignos aos acontecimentos históricos na altura, tanto em termos de acontecimentos como de personagens, assim o relatam os entendidos. Fala sobre a retirada dos ingleses das terras do Afeganistão, das atrucidades que foram vítimas soldados, mulheres e crianças. Critica também o comando Inglês, uma autêntica anedota, mesmo com soldados valentes e corajosos sob comando de completos inúteis. Este romance vale pelo todo, se por um lado nos brinda com um personagem capaz de nos soltar gargalhadas, por outro traz-nos uma panóplia de acontecimentos históricos muitas vezes dramáticos que a guerra e injustiça conseguem provocar.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Seis Suspeitos - Vikas Swarup

Sinopse

Até mesmo no crime há um sistema de castas…

Vicky Rai, um playboy filho de um influente político indiano, mata a jovem Ruby num restaurante em Nova Deli apenas porque ela recusa servir-lhe uma bebida. Sete anos depois, Vicky é julgado e absolvido pelo seu crime. E decide celebrar com uma festa de arromba. Mas esta festa vai ter um final inesperado quando Vicky é encontrado… morto.

Entre os 300 glamorosos convidados, a polícia encontra seis pessoas estranhas e deslocadas naquele meio, todas elas com algo em comum: uma arma. Arun Advani, o mais famoso jornalista indiano, está decidido a descobrir o culpado. E, ao fazê-lo, revela-nos as incríveis e emocionantes vidas destes seis excêntricos suspeitos: uma sex-symbol de Bollywood com um segredo vergonhoso; o membro de uma tribo primitiva em busca de uma pedra sagrada; um burocrata corrupto que acredita ser o novo Gandhi; um turista americano apaixonado por uma actriz; um ladrão de telemóveis com sonhos grandiosos e um político ambicioso disposto a tudo. Cada um deles teve motivos mais do que suficientes para premir o gatilho.

E poderá o leitor confiar nas revelações do jornalista? Ou terá, também ele, algo a esconder?

Inspirado em acontecimentos reais, o muito aguardado segundo romance de Vikas Swarup é um livro de leitura compulsiva que oferece um olhar perspicaz sobre a alma e coração da Índia contemporânea.


A minha opinião

Colossal é a palavra. Concordo plenamente com o The Guardian quando define com esta palavra o mais recente livro de Vikas Swarup, o autor do livro Quem quer ser bilionário?.
A sinopse resume tudo. Vicky Ray, um playboy irritante que matou uma jovem à queima-roupa apenas porque esta se recusou a servir-lhe uma bebida, é assassinado numa festa em sua própria homenagem.
Existem seis pessoas, totalmente diferentes umas das outras, que se cruzam directa ou indirectamente com Vicky que, quanto a mim, fez por merecer o final que teve.
São elas: uma famosa actriz de Bollywood; um membro de uma tribo em demanda de uma pedra sagrada roubada da sua aldeia; um burocrata corrupto que julga ter encarnado o espírito de Gandhi; um americano um pouco tolo apaixonado pela sua noiva indiana que conheceu via internet; um ladrão de telemóveis e um político corrupto que é o próprio pai de Vicky Ray.
Como é anunciado, penso que este livro não tem nada a ver com Agatha Christie, pois há aqui uma grande incidência na História recente da India e no dia-a-dia, sobretudo no âmbito da corrupção, que leva o leitor a crer que quase tudo é negociável e os interesses pessoais estão acima do bem da comunidade. Aparentemente, o autor quis mostrar tudo aquilo que está mal na India. Ao contrário de Christie, aqui não estamos a todo o momento a ser confrontados com pistas falsas que nos levam a crer que já sabemos quem é o assassino. Aqui, vamos saboreando as vivências da cada personagem, sem nos lembrarmos que há um assassinado à espera, dando umas gargalhadas, sobretudo com o suspeito americano, um tipo tonto que tem alguns diálogos hilariantes.
O final é verdadeiramente alucinante. As revelações surpreendentes aparecem em catadupla e, em cada revelação, é apontado(a) um(a) novo(a) culpado(a). Contudo, só na última página podemos respirar de alívio com o caso já solucionado. Só posso dizer que entre suspeitos iniciais e suspeitos finais, quem matou Vicky foi alguém que não estava de certeza no meu rol de possíveis assassinos. Adorei a variedade de personagens e a interligação entre algumas delas.
Logo que possa, vou ler o outro livro de Vikas Swarup e é quase certo que vou ficar com pena de que o autor não tenha ainda outros livros no mercado.


sábado, 21 de agosto de 2010

Os apanhadores de conchas - Rosamunde Pilcher

Sinopse

Penelope Keeling, filha de artista, é uma mulher suficientemente independente e activa para aceitar passivamente a velhice.
Olha para trás e recorda a sua vida: uma infância boémia em Londres e em Cornwall, um casamento desastroso durante a guerra e o homem que ela verdadeiramente amou.
Teve três filhos e aprendeu a aceitar cada um deles com as suas alegrias e desilusões.
Quando descobre que o seu bem mais importante vale uma fortuna - Os Apanhadores de Conchas -, um quadro que o pai lhe deu de presente e pintado por ele próprio, é ela que passa a decidir e determinar se a sua família continuará a ser mesmo uma família ou se se fragmentará definitivamente.
Os Apanhadores de Conchas é o 13º livro de Rosamunde Pilcher e é, sem dúvida, o seu melhor romance, confirmado pelas inúmeras semanas na lista dos best-sellers da revista americana Publishers Weekly e do The New York Times Book Review.

A minha opinião

Penélope é a adorável personagem principal. Muito correcta e de espírito aberto para a época, é a filha de um pintor, autor do quadro "Os apanhadores de conchas", à volta do qual (e não só) se desenrola a história.
Olivia, Nancy e Noel são os seus filhos. E estes começam a interessar-se pelo valioso quadro.
O leitor vai saltando entre o presente - anos 80 - e o passado - por altura da 2ª Guerra Mundial - ficando a conhecer todo o percurso de vida de Penélope, que os próprios filhos desconhecem.
As personagens são demasiado formais, quer nos pensamentos, quer nos diálogos. Não deixam transparecer emoções, embora as sintam. São contidas, mas o leitor apercebe-se muito bem dos seus sentimentos.
Os capítulos têm os nomes das várias personagens (incluindo outras para além das referidas). E, em cada um, vai-se desvendando um pouco mais do seu interior.
E mesmo aquelas que têm atitudes menos positivas, acabam por ser "perdoadas" pelo leitor, que se apercebe da sua forma de encarar a realidade, das suas inseguranças, dos seus medos e dos seus motivos.
Gostei mesmo da escrita de Rosamunde Pilcher. É bastante elucidativa, sem ser fastidiosa, e também bastante envolvente. Um verdadeiro prazer!
Para mim, foi um daqueles livros que, quando não estava a ler, estava a pensar nele.

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