quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Pequeno Incendiário – E.S.Tagino

Sinopse

Depois de nos surpreender com as narrativas "Mataram o Chefe de Posto" e "Nem por Sonhos", E.S. Tagino volta à escrita com "O Pequeno Incendiário". Uma narrativa onde somos convidados a ver o mundo pelos olhos de um menino de 11 anos.
“Tinha onze anos quando o meu avô morreu. Mas não fui ao funeral porque tinha um teste à mesma hora e a minha mãe achou que os meus estudos eram muito mais importantes.” 
Assim tem início uma narrativa rica e sensorial, onde o menino narrador é o nosso anfitrião.
Pelos olhos dele vêmo-lo crescer, e ao seu mundo com ele. A idade da descoberta, dos prazeres da vida, da percepção do mundo dos adultos e das coisas menos belas que este lhe ensina. As relações familiares povoam cada página, enviando-nos frequentemente mensagens subliminares do peso da educação para a formação do indivíduo. Este é um livro para pais e filhos. Tem duas leituras e ambas resultam numa agradável surpresa. O ágil jogo de espelhos prende-nos do princípio ao fim com um sentimento ora terno ora resignado.

Sobre o autor

E. S. Tagino é pseudónimo literário de António José da Costa Neves, natural de Grândola e residente em Almada.
Licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o autor foi prémio nacional do Ministério da Educação para melhor aluno do ano e bolseiro da Câmara Municipal de Grândola, da Fundação Calouste Gulbenkian e recente vencedor do Prémio Literário Paul Harris – 2007, com a sua obra “Arquivo Morto”.
Bancário, formador, gestor e administrador de empresas, em Portugal e no estrangeiro, combateu em África, na Guerra Colonial, tendo vivido em Moçambique os últimos anos da Administração Portuguesa, o período de transição e os primeiros passos da Independência. Entre 1998 e 2002, por motivos profissionais, regressou a Moçambique tendo, então, amadurecido o romance "Mataram o Chefe de Posto", recente vencedor do Prémio Literário Cidade de Almada 2006.
Ao seu romance "Nem por Sonhos" foi atribuído o Prémio Manuel Teixeira Gomes, 2006/2007.
“O Pequeno Incendiário” é o terceiro livro do autor publicado pela Saída de Emergência.

A minha opinião

“Acredito na força das circunstâncias, porque sei por experiência própria como o heroísmo e a cobardia se decidem quase sempre na corda bamba da irracionalidade”.

Neste livro somos levados a conhecer o mundo pelos olhos de uma criança de 11 anos, a inocência, as primeiras experiências da pré-adolescência, as interrogações, as dúvidas que surgem e que muitas vezes não ficam esclarecidas e também a culpa, os dramas, a dor e incompreensão.
Apesar de tudo, o autor conta toda a história sempre com um humor muito agradável, não fosse a vida real isso mesmo, o que se traduz num romance de leitura fácil no qual se pode retirar bastante prazer. “Mal de quem não consegue rir-se de si próprio”.
Através da visão desta criança reflectimos as nossas próprias experiências e o percurso que fizemos até chegar à idade adulta. Confesso que o que mais me impressionou foi a qualidade dos textos, os pensamentos e sentimentos que nos são transmitidos de forma simples e verdadeira pela escrita do autor:

A inocência: “Mas a maior descoberta foi quando o Quim me trouxe a casinha duma caracoleta moura (…), e ma encostou ao ouvido. Juro que ouvi o mundo. Aquilo é uma zoada tão grande que nem se imagina. Parece o sopro de um milhão de pessoas, mais todos os sons e ruídos do Universo. Nem queria acreditar que, naquela casquinha enrolada, coubesse tanta algazarra.”

A culpa: “(…) Até nisto sou um verdadeiro fracasso. Por mais esforços que faça, sinto que fico, sempre, aquém do muito que lhes devia retribuir. Vou para a cama com um nó na garganta. (…) Sou um desastre absoluto.
Quando, por fim, subi ao quarto, foi como se uma torneira de emoções se tivesse desapertado. Lágrimas, abundantes, correram-me pelas faces”.

A solidão: “(…) e me refugiei dentro de mim próprio, que é a maneira mais agradável que tenho de passar o tempo.”

Não pensem com isto que é um romance nostálgico e triste. Tem episódios deveras engraçados a começar com os personagens que vão surgindo ao longo da história tais como o Ti Serafim, Ti Manuel Silvestre, Ti Carlos Gaudêncio, Bento Pardelha ou Zacarias Carapeta.
A história passa-se no Alentejo durante a ditadura e a guerra colonial. As diferenças de gerações e o peso da doutrina da igreja é também muito visível e presente.
Traz-nos igualmente a importância e forma como os nossos pais e avós conseguem influenciar o nosso crescimento como pessoas (apesar das diferenças). São, de facto, os nossos alicerces e vão ditar o tipo de pessoas que somos e quais os nossos valores ou, pelo menos, têem importância fulcral nessa construção. O resto, aprendemos com a nossa própria vivência.

“A memória da experiência deles, mais do que qualquer curso superior, é a certeza inabalável que guiará, para sempre, a minha vida. (…)
E quem não é feliz consigo próprio não pode ser feliz com os outros. E isto não é o meu avô a falar, nem sequer o meu pai. É apenas um pouco do que aprendi com a vida.”

      

1 comentário:

N. Martins disse...

Deste autor só li o Mataram o Chefe do Posto, do qual gostei, embora o tema, guerra colonial, não trouxesse nada de muito novo. No entanto gostei da escrita e fiquei com curiosidade para ler outros dele.
Com a tua opinião, talvez esse seja o próximo... :)
É sempre bom descobrir novos autores portugueses e o E. S. Tagino parece-me uma boa descoberta.

Boas leituras

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